Fluxo de consciência

O fluxo de consciência é uma técnica narrativa. Ele consiste na evidenciação dos pensamentos de um ou mais personagens. Também é conhecido como monólogo interior.

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Fluxo de consciência é uma técnica literária que permite fazer uma sondagem interna de um ou mais personagens de uma narrativa. Ele consiste na exposição dos pensamentos do personagem, com suas dúvidas e reflexões. É comum associar o fluxo de consciência a um monólogo interior.

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Porém, há quem defenda que o fluxo de consciência radicaliza ou intensifica essa sondagem interna, de forma que seria uma espécie de evolução do monólogo interior. De qualquer forma, esse fluxo ou monólogo pode ser expresso com intervenções do narrador ou de modo mais independente, quando apenas a voz interna do personagem é evidenciada.

Leia também: Afinal, o que é um romance?

Tópicos deste artigo

Resumo sobre fluxo de consciência

  • O fluxo de consciência consiste na evidenciação dos pensamentos do personagem.
  • Essa técnica narrativa permite analisar os aspectos psicológicos do personagem.
  • Autores como Clarice Lispector, Virginia Woolf e James Joyce utilizam fluxo de consciência.
  • Alguns estudiosos consideram o fluxo de consciência como sinônimo de monólogo interior.
  • Outros estudiosos acreditam que o fluxo de consciência é uma espécie de evolução do monólogo interior, já que é algo mais “radical”.

O que é fluxo de consciência?

Imagem conceitual ilustrando o conceito de fluxo de consciência: fumaça colorida saindo da cabeça de homem de terno sentado.
O fluxo de consciência é uma sequência de pensamentos e reflexões de um personagem.

O fluxo de consciência é uma técnica literária utilizada em uma narrativa pautada nos aspectos psicológicos de algum personagem, isto é, o narrador retrata a consciência do personagem, de maneira a destacar mais seus pensamentos e emoções do que suas ações. Falando de uma forma mais vulgar, o narrador “entra na cabeça do personagem”.

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Características do fluxo de consciência

  • Análise psicológica.
  • Sondagem das motivações internas.
  • Fluxo de pensamentos.
  • Linguagem ilógica, em alguns casos.
  • Descontinuidade temporal.
  • Inexistência de espaço narrativo.
  • Digressões e possível fragmentação do pensamento.
  • Foco narrativo centrado na mente do personagem.

Exemplos de fluxo de consciência

“Sim porque ele nunca fez uma coisa dessa de me pedir café na cama com dois ovos desde o hotel City Arms quando ele ficava fingindo que ficava de cama com uma voz de doente posando de príncipe pra se fazer de interessante praquela velha coroca da senhora Riordan que ele achava que tinha bem na palma da mão e ela não deixou nem um tostão pra gente tudo pras missas pra ela e a alma dela maior mãodevaca do mundo sempre foi tinha medo até de gastar 4p pro álcool metilado dela me contando todas as mazelas dela ela tinha era muito blablablá sobre política e os terremotos e o fim do mundo deixa a gente se divertir um pouquinho antes Deus que ajude o mundo se todas as mulheres fossem do tipo dela malhando os maiôs e os decotes que claro que ninguém ia querer que ela usasse acho que ela era toda santa porque nenhum homem ia olhar pra ela duas vezes tomara que eu nunca fique que nem ela não sei como é que ela não queria que a gente cobrisse a cara mas era uma mulher benheducada com certeza e aquele palavrório dela de senhor Riordan pra cá e senhor Riordan pra lá [...].”

JOYCE, James. Ulysses. Tradução de Caetano W. Galindo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

Pois, quando se mora em Westminster — Quantos anos já? Mais de vinte —, dava para sentir, Clarissa estava convencida, mesmo no meio do tráfego, ou caminhando à noite, uma quietude, ou solenidade, peculiar; uma pausa indefinível; uma expectativa (mas também podia ser o coração, afetado pela gripe, como diziam) antes das batidas do Big Ben. Lá vêm elas! E então ressoaram. Primeiro uma advertência, musical; depois a hora, irrevogável. Os círculos plúmbeos dissolvendo-se no ar. Que tolos somos, ocorreu-lhe ao atravessar a Victoria Street. Só Deus sabe por que a gente gosta tanto disso, por que vê isso dessa maneira, cria tudo isso, constrói isso ao nosso redor, desfazendo e refazendo tudo a cada instante; porém, mesmo as mulheres mais enxovalhadas, as indigentes mais miseráveis, sentadas nos degraus de entrada (arruinadas pela bebida), também faziam o mesmo; não era algo que se podia resolver, disso tinha certeza, com leis do Parlamento, e exatamente por este motivo: elas amam a vida. Nos olhos das pessoas, em seus os gingados, cadenciados, arrastados; no alarido e no tumulto; nas carruagens, nos automóveis, nos ônibus, nos furgões, nos homens-sanduíche que avançavam oscilantes; nas bandas de música; nos realejos; no triunfo e no repique, e no estranho zumbido de um aeroplano no alto, era bem isso o que ela amava; a vida; Londres; esse momento de junho.

[...]

WOOLF, Virginia. Mrs. Dalloway. Tradução de Claudio Alves Marcondes. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

Como funciona o fluxo de consciência?

O fluxo de consciência é a expressão dos pensamentos do personagem. Ele funciona como uma forma de mostrar a psicologia do personagem, ou seja, seu mundo interior e complexo. Desse modo, o narrador dá espaço para os pensamentos e reflexões do personagem, o que pode ocorrer em alguns trechos da obra apenas ou em grande parte da narrativa.

Leia também: Prosa — conceito que se refere tanto ao formato quanto ao conteúdo de um texto

Autores que utilizam fluxo de consciência

  • Fiódor Dostoiévski (1821-1881) — Rússia.
  • Liev Tolstói (1828-1910) — Rússia.
  • Machado de Assis (1839-1908) — Brasil.
  • Marcel Proust (1871-1922) — França.
  • James Joyce (1882-1941) — Irlanda.
  • Virginia Woolf (1882-1941) — Inglaterra.
  • Franz Kafka (1883-1924) — República Checa.
  • João Guimarães Rosa (1908-1967) — Brasil.
  • Murilo Rubião (1916-1991) — Brasil.
  • Clarice Lispector (1920-1977) — Brasil.
  • Lygia Fagundes Telles (1923-2022) — Brasil.
  • Hilda Hilst (1930-2004) — Brasil.

Para que serve o fluxo de consciência?

Em uma narrativa com fluxo de consciência, o foco está nos pensamentos de um personagem. Assim, é apresentado seu monólogo interior, suas inquietações e reflexões. A visão desse mundo interior permite que conheçamos os aspectos da psicologia do personagem.

Esse tipo de técnica narrativa dá mais profundidade à obra, já que ela não se baseia apenas no superficial desenrolar de ações. A obra se torna mais complexa e, portanto, mais realista, já que o personagem se mostra por inteiro. Em uma narrativa com fluxo de consciência, a reflexão é inevitável, pois questões existenciais acabam sendo expostas pelo personagem.

Leia também: Hora da Estrela — obra de Clarice Lispector que apresenta fluxo de consciência

Importância do fluxo de consciência

Apesar de o monólogo interior já ser utilizado em narrativas do século XIX, foi no século XX, com o advento do modernismo, que o fluxo de consciência esteve mais em voga. Assim, essa técnica literária imprime maior realismo a personagens da modernidade, de forma a lhes dar uma perspectiva mais humana e menos fictícia.

Fluxo de consciência x epifania

Segundo a doutora em Letras Eloísa Nogueira Aguiar:

A epifania é, pois, uma manifestação existencial súbita, provocada por uma experiência que, a princípio, mostra-se simples e rotineira, mas acaba por mostrar a força de uma inusitada revelação. Os objetos mais simples, os gestos mais banais e as situações mais cotidianas provocam uma iluminação repentina na consciência dos personagens. [...].

Desse modo, a epifania é uma revelação experenciada pelo personagem, capaz de alterar sua percepção acerca da realidade. Já o fluxo de consciência consiste na exposição do mundo interior do personagem, de seus pensamentos e angústias, independentemente de uma revelação ou epifania.

Fluxo de consciência x monólogo interior

A princípio, as expressões “fluxo de consciência” e “monólogo interior” são sinônimas. Segundo a mestre em Letras Gleice do Socorro Bittencourt dos Reis, “entre o monólogo interior e o fluxo de consciência, ainda há certa confusão, pois muitos autores consideram tratar-se da mesma coisa”. Assim, a pesquisadora cita Robert Humphrey, cuja definição de monólogo interior é:

a técnica usada na ficção para representar o conteúdo e os processos psíquicos do personagem, parcial ou inteiramente inarticulados, exatamente da maneira como esses processos existem em diversos níveis de controle consciente antes de serem formulados para fala deliberada.

Em seguida, a pesquisadora mostra que, segundo Ligia Chiappini Moraes Leite, há uma diferença entre os dois conceitos, pois o fluxo de consciência traria a uma espécie de “radicalização da sondagem interna das personagens”:

A radicalização dessa sondagem interna da mente acaba deslanchando um verdadeiro fluxo ininterrupto de pensamentos que se exprimem numa linguagem cada vez mais frágil em nexos lógicos. É o deslizar do MONÓLOGO INTERIOR para o FLUXO DE CONSCIÊNCIA.

Portanto, atualmente, alguns autores consideram monólogo interior e fluxo de consciência como sendo conceitos sinônimos, ao o que outros veem o fluxo de consciência como uma evolução do monólogo interior.

Como escrever em fluxo de consciência?

O fluxo de consciência é a expressão do mundo interior do personagem. Portanto, para utilizar essa técnica narrativa, o(a) autor(a) deve expor os pensamentos do personagem. Essa expressão pode ser intercalada por observações do narrador ou, de forma mais intensa, se afastar da figura do narrador. Nessa perspectiva mais “radical”, o(a) escritor(a) apenas registra o fluxo de consciência, ou seja, os pensamentos do personagem, sem intervenção de uma voz narrativa.

Leia também: Verossimilhança — aquilo que se parece com a verdade ou com a realidade

Exercícios sobre fluxo de consciência

Questão 1

Herdeiro já era muito; mas universal... Esta palavra inchava as bochechas à herança. Herdeiro de tudo, nem uma colherinha menos. E quanto seria tudo? Ia ele pensando. Casas, apólices, ações, escravos, roupa, louça, alguns quadros, que ele teria na Corte, porque era homem de muito gosto, tratava de coisas de arte com grande saber. E livros? devia ter muitos livros, citava muitos deles. Mas em quanto andaria tudo? Cem contos? Talvez duzentos. Era possível; trezentos mesmo não havia que irar. Trezentos contos! trezentos! E o Rubião tinha ímpetos de dançar na rua. Depois aquietava-se; duzentos que fossem, ou cem, era um sonho que Deus Nosso Senhor lhe dava, mas um sonho comprido, para não acabar mais.

MACHADO DE ASSIS. Quincas Borba. In: MACHADO DE ASSIS. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.

Em todos os trechos destacados abaixo, há traços de fluxo de consciência, exceto em:

A) “Herdeiro de tudo, nem uma colherinha menos. E quanto seria tudo? Ia ele pensando.”

B) “Casas, apólices, ações, escravos, roupa, louça, alguns quadros, que ele teria na Corte, porque era homem de muito gosto, tratava de coisas de arte com grande saber.”

C) “E livros? devia ter muitos livros, citava muitos deles. Mas em quanto andaria tudo? Cem contos?”

D) “Era possível; trezentos mesmo não havia que irar. Trezentos contos!”

E) “E o Rubião tinha ímpetos de dançar na rua. Depois aquietava-se; [...].”

Resolução:

Alternativa E.

No parágrafo do romance Quincas Borba, o narrador evidencia o fluxo de consciência do personagem Rubião. Porém, o trecho “E o Rubião tinha ímpetos de dançar na rua. Depois aquietava-se; [...]” faz referência a ações do personagem, não a seus pensamentos, até porque um “ímpeto” não é algo racional e, portanto, não pode ter relação com o ato de pensar.

Questão 2

Analise estas afirmações:

I- O fluxo de consciência permite ao narrador fazer uma sondagem interna do personagem.

II- O fluxo de consciência sempre provoca o escapismo do personagem, que foge da realidade por meio da imaginação.

III- Em romances com predominância do fluxo de consciência, a ação sobressai à reflexão.

Está correto o que se afirma em:

A) I apenas.

B) II apenas.

C) III apenas.

D) I e II apenas.

E) I e III apenas.

Resolução:

Alternativa A.

O fluxo de consciência permite ao narrador fazer uma sondagem interna do personagem, já que os pensamentos do personagem mostram quem ele é de fato. Fluxo de consciência não está, obrigatoriamente, associado a escapismo. Normalmente, ocorre o contrário, pois os pensamentos do personagem mostram como ele enxerga a realidade. Em romances com predominância do fluxo de consciência, a reflexão sobressai à ação.

Fontes

AGUIAR, Eloísa Nogueira. A experiência do “súbito” nas ficções de Lispector e Sartre. Revista do Departamento de Psicologia UFF, Niterói, v. 19, n. 2, dez. 2007.

REIS, Gleice do Socorro Bittencourt dos. O cavalo desembestado do pensamento: fluxo de consciência como condutor da narrativa em Afonso Contínuo, santo de altar, de Lindanor Celina. 2020. Dissertação (Mestrado em Letras) – Instituto de Letras e Comunicação, Universidade Federal do Pará, Belém, 2020.

Conceito de fluxo de consciência
No fluxo de consciência, o narrador “entra na cabeça do personagem”.
Crédito da Imagem: Brasil Escola
Escritor do artigo
Escrito por: Warley Souza Professor de Português e Literatura, com licenciatura e mestrado em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Deseja fazer uma citação?
SOUZA, Warley. "Fluxo de consciência"; Brasil Escola. Disponível em: /literatura/fluxo-de-consciencia.htm. o em 28 de maio de 2025.
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