Extrema-esquerda é como classificamos grupos que praticaram ou propam a derrubada, através de formas violentas, do Estado e do capitalismo. São também classificados como grupos de extrema-esquerda aqueles que defendem o fim da democracia e a implementação de uma ditadura, não importando por quem ou por qual grupo essa ditadura será governada. O anarquismo insurrecionário e o marxismo foram as duas principais forças propulsoras dos movimentos de extrema-esquerda no final do século XIX. 4g513c
A partir da década de 1920, sob a influência soviética, o marxismo ou a ser a principal ideologia dos grupos de extrema-esquerda. Com a crise da URSS, o marxismo-leninismo foi abandonado pela maior parte da esquerda. No século XX, a maior parte dos partidos marxistas do mundo foram extintos ou modificaram sua política e se tornaram partidos sociais-democratas.
O Exército de Libertação Nacional é uma guerrilha de extrema-esquerda que ainda luta na Colômbia. No Brasil, três partidos atuais são geralmente classificados como de extrema-esquerda, o PCO, PSTU e UP, todos de inspiração marxista.
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A extrema-esquerda ocupa o ponto mais à esquerda no espectro político esquerda e direita, sendo considerada uma ideologia radical que defende a derrubada do Estado democrático e do capitalismo através de uma revolução violenta.
Classificar ideologias e movimentos sociais de acordo com o espectro esquerda/direita não é tarefa fácil e gera acirrados debates. Neste artigo, classificamos como grupos de extrema-esquerda aqueles que praticaram ou propam a derrubada, através de formas violentas, do Estado e do capitalismo.
Foram também classificados como grupos de extrema-esquerda aqueles que defendem o fim da democracia e a implementação de uma ditadura, não importando por quem ou por qual grupo essa ditadura será governada.
Até a década de 1920 a principal ideologia que impulsionou grupos de extrema-esquerda no mundo foi o anarquismo insurrecionário, corrente radical do anarquismo que defendia ataques violentos contra burgueses e membros do Estado como principal estratégia de luta e de propaganda política.
Na Europa e nos Estados Unidos, adeptos do anarquismo insurrecionário praticaram diversos assassinatos e atentados à bomba, muitas vezes com civis sendo o alvo principal, entre o final do século XIX e início do XX. Grupos anarquistas assam governantes, militares, religiosos, banqueiros e diversos outros grupos considerados inimigos dos trabalhadores. Um presidente norte-americano e um czar russo foram assassinados por anarquistas insurrecionários.
Importante! Vale lembrar que existe outra grande corrente do anarquismo, o anarquismo de massas, também chamado de anarquismo social. Essa vertente do anarquismo defende que a mobilização das massas, através de lutas imediatas como o aumento de salário, é a melhor estratégia de luta, sem o uso da violência. Também existem anarquistas que defendem que a anarquia será alcançada através da educação. Essas correntes do anarquismo não são consideradas de extrema-esquerda.
Com a Revolução Russa, de 1917, o marxismo ou a ser a principal ideologia dos partidos e movimentos de extrema-esquerda. A corrente chamada marxismo-leninismo, em referência ao líder da Revolução Russa, Vladimir Lenin, se popularizou em todo o mundo, influenciando partidos, sindicatos, associações estudantis, entre diversos movimentos sociais.
Para os marxistas a luta de classes é considerada o motor da história, com a luta entre escravos x senhores, servos x nobres e, na época de Karl Marx, de proletários x burgueses.
Marcado pelo determinismo histórico, o marxismo previa que os trabalhadores, através de uma revolução violenta, derrubariam a burguesia, assumiriam o poder e dariam início à ditadura do proletariado, período chamado de socialismo. A ditadura do proletariado seria um estágio para o comunismo, momento no qual a ditadura não seria mais necessária.
Essas ideias, desde o século XIX, inspiraram diversos movimentos em todo o mundo, com a Comuna de Paris sendo o marco inicial desse processo de luta revolucionária marxista.
No início do século XX o marxismo ou a ganhar força na Rússia. Os bolcheviques, ala do Partido Comunista Russo que defendia a tomada do poder através de uma revolução violenta, foi o principal grupo marxista do país. Em 1917, com a Rússia enfrentando uma crise econômica devido a sua participação na Primeira Guerra Mundial, os bolcheviques lideraram uma revolução, que terminou com a implementação de uma ditadura socialista no país e a formação da União Soviética.
O sucesso da Revolução Russa enfraqueceu o anarquismo e fortaleceu o marxismo, e diversos partidos e movimentos marxistas foram criados no mundo a partir da década de 1920. Durante a Guerra Fria a extrema-esquerda ganhou força em diversos países, muitas vezes chegando ao poder, como no Vietnã, China e Angola.
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A partir da década de 1920 partidos de extrema-esquerda foram fundados em diversos países, inclusive no Brasil. Esses partidos, a maioria deles partidos comunistas, eram marxistas-leninistas e defendiam a revolução, a implementação do socialismo, a ditadura do proletário e estatização da economia como principais bandeiras.
Em 1921, foi fundado o Partido Comunista da China, que rapidamente se popularizou no país, principalmente entre o campesinato, que compunha a maior parte da população. Em 1927 eclodiu a Guerra Civil Chinesa, na qual membros e apoiadores do Partido Comunista da China aram a enfrentar tropas do partido do governo, o Kuomintang.
Houve uma trégua na guerra em 1937, quando tropas do PCC, lideradas por Mao Tse Tung, e do Kuomintang, lideradas por Chiang Kai-shek, uniram-se para enfrentar os invasores japoneses. Isso perdurou até o final da Segunda Guerra Mundial, quando a guerra civil foi retomada.
Em 1949 tropas de Mao Tse Tung conquistaram Pequim, e Chian Kai-Shek e parte da elite econômica chinesa fugiram para ilha de Formosa, hoje chamada de Taiwan e reivindicada pela China como parte de seu território. Apesar de ser uma ditadura socialista, a China interferiu relativamente pouco, política e militarmente, em outros países com o objetivo de fomentar revoluções comunistas, salvo exceções, como na Coreia.
No final da Segunda Guerra Mundial, na Conferência de Potsdam, Estados Unidos e União Soviética dividiram a Coreia em duas: a do Norte ficou sob istração soviética e a do Sul, dos norte-americanos. O Partido dos Trabalhadores da Coreia foi fundado em 1949, sendo um partido de inspiração marxista e que recebeu apoio da União Soviética e China.
Durante a Guerra da Coreia (1950-1953), o PTC se fortaleceu, e Kim Il-Sung concentrou poderes, tornando-se ditador do país até sua morte, em 1994. Ele foi sucedido pelo seu filho, Kim Jong-Il, falecido em 2011, que foi sucedido pelo seu filho, Kim Jong-un.
Durante o século XX a maior parte dos partidos marxistas do mundo foram extintos ou modificaram sua política e se tornaram partidos sociais-democratas, defendendo a democracia e eleições livres como forma de conquistar direitos para os trabalhadores.
Isso ocorreu por diversos motivos: pela divulgação dos crimes cometidos por Stalin durante o seu governo, a crise econômica e política que culminou com o colapso soviético em 1991 e a crise na maior parte dos países socialistas.
Ainda hoje existem partidos de extrema-esquerda, como no caso do Brasil, mas eles possuem pouco apoio popular e pouca representatividade política, como o PCO, PSTU e o Unidade Popular, ainda usando o Brasil como exemplo.
A China é um dos maiores e mais populosos países do mundo e vive em um regime de extrema-esquerda, com uma ditadura política controla pelo Partido Comunista da China. A China é acusada por diversos países e entidades, como a ONU, de cometer diversas violações aos direitos humanos, como prisões arbitrárias de opositores, a prática de censura, além de acusações de violências perpetradas contra minorias, como nepaleses, uigur e outras populações muçulmanas que vivem em seu território.
Em 2010 a Google deixou o país, acusando a China de censura nas pesquisas feitas pelos usuários. Atualmente o Baidu é a ferramenta de busca mais utilizada pelos chineses, e as pesquisas nessa plataforma são limitadas pelo governo.
A Coreia do Norte é outro país que vive sob um regime de extrema-esquerda, sendo uma ditadura, militarizada, de economia estatal e com monopólio estatal da comunicação. Ela geralmente é classificada como uma ditadura stalinista, onde há grande concentração de poderes e culto ao líder.
Na década de 1950, Cuba era uma ditadura militar governada por Fulgêncio Batista e apoiada pelos Estados Unidos. Em 1956 um movimento guerrilheiro anti-Batista se formou na Sierra Maestra, liderada por Fidel Castro, que, na época, não era comunista. Em 1º de janeiro de 1959 as tropas de Castro conquistaram Havana, o que fez com que Fulgêncio deixasse o país.
Fidel Castro ou a governar o país e gradativamente se aproximou da União Soviética, a qual ou a investir economicamente na ilha. Lentamente Cuba se tornou uma ditadura socialista, e Fidel governou o país até 2008, quando se afastou da presidência por questões de saúde, sendo sucedido por seu irmão, Raul Castro.
No nosso país foi fundado em 1922 o Partido Comunista do Brasil, também influenciado pela Revolução Russa. Ele defendia a revolução proletária, a derrubada do capitalismo e a implementação do socialismo. Em 1935 o PCB apoiou a Intentona Comunista, tentativa de golpe de Estado organizado pela Aliança Nacional Libertadora. O golpe acabou sendo contido e os principais líderes do movimento foram presos, entre eles Luís Carlos Prestes.
Durante a Ditadura Civil-Militar, sobretudo após o AI-5, surgiram no país movimentos de extrema-esquerda que buscavam derrubar os militares, através da luta armada, e iniciar no país um governo socialista. Parte desses grupos se inspiraram nos guerrilheiros cubanos de Fidel Castro e na teoria chamada “foquismo”, na qual um pequeno grupo de guerrilheiros poderia ganhar apoio da população e chegar ao poder de forma relativamente rápida.
Outros grupos de extrema-esquerda eram adeptos do maoísmo, ideologia que dava ênfase à formação política dos camponeses, processo de longa duração, e só então a formação de uma guerrilha. Vale lembrar que nem todos os movimentos que lutaram contra a Ditadura eram de extrema-esquerda, muitos deles objetivavam a volta da democracia e não uma ditadura socialista.
A extrema-esquerda, graças ao marxismo, foi uma das principais ideologias do século XX, ainda muito importante para a compreensão do mundo atual. Durante a Segunda Guerra Mundial a União Soviética deixou o isolacionismo e se tornou uma das superpotências globais que emergiam durante o conflito, junto com os Estados Unidos.
Ainda durante a Segunda Guerra Mundial, Estados Unidos e União Soviética dividiram o globo em duas áreas de influência. Foi assim que a Europa foi dividida, ficando a Europa Ocidental sob influência norte-americana e a Oriental sob influência soviética. Foi também assim que a Alemanha foi dividida em duas, e o mesmo aconteceu com a Coreia e com o Vietnã.
Durante a Guerra Fria a União Soviética apoiou diversos movimentos marxistas-leninistas em todos os continentes, buscando aumentar o número de países comunistas no mundo. Na África financiou, treinou e armou diversos movimentos emancipacionistas, durante seu processo de descolonização; na América Latina financiou grupos marxistas que lutavam contra as ditaduras que contavam com apoio norte-americano.
Entre 1949, ano da Revolução Chinesa, e 1991, ano da queda da União Soviética, os movimentos de extrema-esquerda atingiram seu auge. Na Europa Ocidental, sobretudo no período entre 1960 e 1980, diversos grupos de extrema-esquerda surgiram, alguns deles praticando atos terroristas, como assassinatos e explosões de bombas em locais públicos.
Com o fim da União Soviética em 1991, os movimentos de extrema-esquerda arrefeceram, com guerrilhas marxistas atuando nos anos 1990 em poucos lugares, como na Nicarágua, Colômbia e no Peru. Por outro lado, a extrema-direita tem ganhado força no mundo, conquistando peso político em diversos países, inclusive no Brasil.
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Hoje ainda lutam na Colômbia grupos dissidentes das Farc, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, que iniciaram uma guerrilha nas florestas do país em 1964. O grupo de extrema-esquerda tinha inspiração marxista-leninista e, consequentemente, por principal objetivo, a implementação do socialismo na Colômbia.
Durante sua existência as Farc travaram diversas batalhas contra o exército colombiano e contra grupos paramilitares, e foram praticadas centenas de sequestros, assassinatos e atentados terroristas. O grupo foi classificado como terrorista pelos Estados Unidos, Colômbia e diversos países da Europa Ocidental. Também foi acusado de permitir a produção de cocaína nas regiões controladas pela guerrilha.
Em 2016 as Farc iniciou negociações com o presidente colombiano, Juan Manoel Santos, que levou a uma trégua na guerra civil. Em 2017, após um acordo, as Farc desistiram da luta armada e entregaram suas armas para a ONU. Alguns ex-membros das Farc fundaram um partido político chamado de Força Alternativa Revolucionária do Comum, partido social-democrata. Juan Manoel Santos recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 2016 pelas negociações realizadas com as Farc.
Morreram na Colômbia no período de guerrilha mais de 262 mil pessoas, 82% delas foram civis, segundo dados do Centro Nacional de Memória Histórica, órgão criado pelo governo da Colômbia para investigar o período de guerrilha. O instituto afirma ainda que a maior parte dos assassinatos foi praticada por grupos paramilitares de extrema-direita, que assassinavam civis acusados de colaboração com as Farc|1|. Hoje pequenos grupos de dissidentes das Farc, que não aceitaram o acordo de paz, combatem o governo colombiano.
Em abril de 2024 o exército colombiano matou 15 membros de um desses grupos em confronto e feriu mais de uma dúzia. O presidente colombiano, ex-guerrilheiro de um grupo de extrema-esquerda, o M-19, afirmou que que o exército cumpriu sua missão e que “guerra é guerra”.
Criado no mesmo ano das Farc, o Exército de Libertação Nacional, o ELN, é uma guerrilha que ainda luta na Colômbia contra tropas do governo e grupos paramilitares, possuindo ideário marxista revolucionário. Em 2024 o ELN iniciou negociações de paz com o governo colombiano e uma trégua foi estabelecida entre as duas partes.
No Brasil, na atualidade, a maior parte dos partidos e movimentos de esquerda são sociais-democratas, existindo poucos grupos ou partidos de extrema-esquerda, todos eles sem apelo popular. Alguns partidos são classificados por parte dos cientistas políticos como de extrema-esquerda, tais como:
O PCO, por exemplo, é favorável ao armamento da população, alegando que a população armada é capaz de se defender do sistema “político-militar-judiciário” que violenta a população pobre e trabalhadora.
Nota
|1| O GLOBO; AFP. Conflito na Colômbia deixou 262.197 mortos em seis décadas. O Globo, 2 ago. 2018. Disponível em: https://oglobo.globo.com/mundo/conflito-na-colombia-deixou-262197-mortos-em-seis-decadas-22942586
Créditos das imagens
[2] Stephen A. Rohan/ Shutterstock
Fontes
BOBBIO, Norberto. Direita e esquerda. São Paulo: Editora UNESP, 2012.
BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. Brasília: UNB, 2016.
O GLOBO; AFP. Conflito na Colômbia deixou 262.197 mortos em seis décadas. O Globo, 2 ago. 2018. Disponível em: https://oglobo.globo.com/mundo/conflito-na-colombia-deixou-262197-mortos-em-seis-decadas-22942586
SALES, Juan Rodrigues. Guerrilha e revolução: a luta armada contra a ditadura no Brasil. Editora Lamparina, São Bernardo do Campo, 2015.
Fonte: Brasil Escola - /politica/extrema-esquerda.htm