Utopia é um “não lugar”, ou seja, um lugar inexistente. O termo foi utilizado pela primeira vez por Thomas More para fazer referência, dentro de seu livro Utopia, a uma ilha onde o governo e a organização social estariam próximos da perfeição política, intelectual, cultural e moral. A palavra utopia, no entanto, ou a significar qualquer tipo de perfeição, delimitando como utópico aquilo que é inalcançável. 333nu
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A etimologia da palavra nos dá uma pista para essa compreensão: utopia vem do grego outopos (ou + topos), que significa, literalmente, “não lugar”. O termo foi utilizado, pela primeira vez, pelo filósofo, jurista e escritor inglês Thomas More, para desenhar um lugar perfeito em sua obra que traçava uma utopia política.
A palavra, no entanto, foi adaptada ao nosso vocabulário, ando a indicar um tipo de sonho inalcançável, irrealizável, inatingível, mas que o seu simples vislumbre nos anima, nos dá energia, nos move, nos dá esperança.
Teixeira Coelho, falando sobre utopia, traz uma belíssima reflexão sobre a esperança:
Um traço que deve caracterizar o ser humano, ainda não embrutecido pela própria fraqueza ou pela realidade tremenda, é a liberdade que ele se reserva de opor ao evento defeituoso, à situação decepcionante, uma força contraditória. Essa força poderia chamar-se “esperança”; esperança de que aquilo que não é, não existe, possa vir a ser; uma espera, no sonho, de algo que se mova para a frente, para o futuro, tornando realidade aquilo que precisa acontecer, aquilo que tem de ar a existir.|1|
A utopia é essa força, não de um devir, mas de um querer-devir, de uma vontade de transformação. Quando o autor citado fala em esperança, devemos nos lembrar de que a palavra “esperança” não vem do verbo “esperar”, como muitos, de maneira superficial, acreditam. A palavra esperança vem do verbo “esperançar”, o que nos coloca em uma situação um pouco mais ativa em relação à utopia: não se espera ivamente o acontecimento da utopia — afinal, ela é (perdoem o neologismo) “inacontecível”, mas anima-se com a visão de um futuro utópico.
Thomas More foi um jurista, advogado, filósofo, chanceler e um grande literato e intelectual que viveu entre os séculos XVI e XVII na Inglaterra. Sua erudição e seu contato próximo com a política, ocupando cargos importantes, como o de Lord Chancellor no governo de Henrique VIII, fê-lo perceber que a política não era uma ciência, infelizmente, muito próxima da ética e da moral, fato que Maquiavel também evidenciou em seus escritos, mais ou menos na mesma época em que More.
A grande diferença entre Maquiavel e More é que o primeiro reconhece a incompatibilidade entre política e ética e diz que o bom governante, para manter o governo, deve também perceber isso e agir contra a ética, se necessário. Já More reconhece o fato, mas não deixa morrer a esperança de que um dia as duas possam ser compatíveis.
O livro Utopia é escrito como uma carta de navegação, em que o personagem fictício, o navegante português Rafael Hitlodeu, que faz uma crítica à sociedade e à organização política europeia, em especial inglesa, para compará-la com a Ilha de Utopia, um lugar onde a organização política tornou-se próxima do que seria o ideal.
A primeira parte do livro contém a crítica ao modelo político europeu. Enquanto muitos governos, autoridades e pensadores europeus se colocavam como arautos do desenvolvimento moral, religioso, político e econômico (utilizando-se dessa ideia, inclusive, para dominar territórios por meio do sistema colonial), pensadores como More e o filósofo humanista francês Michel de Montaigne se colocaram como críticos dessa ideia.
Nessa crítica, Utopia demonstra como o sistema político e econômico europeu produz mazelas, como os problemas sociais e a desigualdade resultante da exploração dos camponeses, por conta da ganância, sobretudo, da nobreza, e da corrupção da Igreja.
A segunda parte do livro dedica-se à narração de Hitlodeu sobre a Ilha de Utopia, que contém uma sociedade organizada de acordo com a racionalidade e a ideia de bem comum. Aliás, dentro do pensamento humanista, que atravessou os séculos, chegando ao iluminismo, nunca houve algo mais impressionante do que a constatação de que o ápice da racionalidade é o bem comum — retomaremos este tema no tópico “Diferenças entre utopia e distopia”.
Assim são descritas as principais características da Ilha de Utopia:
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Thomas More foi o criador do neologismo “utopia” em 1516. Para criá-lo, o pensador fez um jogo com palavras gregas a fim de formar uma palavra que desse conta de descrever um lugar ideal. Sendo assim, ele juntou:
Ambas as possíveis origens da palavra dão conta daquilo que More quis representar: um lugar ideal, tão ideal que é inexistente, ou, simplesmente, um lugar tão bom, que é ideal.
Os significados da frase “viver uma utopia” podem ser variados, mas, comumente, associamos essa frase a algo equivalente a viver um sonho. Viver uma utopia seria viver algo que se descola da realidade, algo distante do mundo real (material). Podemos associar o termo, de forma anacrônica, a Platão, que descreveu o Mundo das Ideias. Na teoria do conhecimento plantonista, tudo o que existia enquanto ideia era eterno, perfeito e imutável, enquanto tudo o que existia materialmente era imperfeito, mutável e perecível.
Pela origem e significado do termo, viver uma utopia é algo impossível à nossa existência terrena, material e limitada. No entanto, a palavra adquire um significado metafórico para simbolizar uma vida que queremos, que almejamos, que desejamos por considerá-la perfeita.
Parte da literatura produzida no século XX nos dá um bom contraponto para a palavra utopia: a literatura distópica, ou a distopia. A distopia foi uma forma de produção literária oposta à ideia de utopia.
Por conta de acumulados de eventos do século XIX, como a ascensão do antissemitismo na Europa, um pensamento extremamente cientificista e positivista, e o surgimento de filosofias não racionalistas, como o existencialismo; e do século XX, como a I e II Guerra Mundial e, principalmente, a ascensão de governos totalitários, tivemos, como reação, a escrita de livros que contrapõem o que seria uma utopia.
A ideia de bem comum, que já aparecia desde a filosofia política de Aristóteles, foi usurpada por líderes totalitários para criar uma estratégia de dominação das massas. O problema foi quando isso se tornou uma distopia e a ideia de bem comum foi utilizada para uniformizar e dominar pelo terror, como nos regimes totalitários.
Para os humanistas renascentistas e iluministas, racional é aquilo que leva ao bem comum, o que faz muito sentido, como a ideia de paz perpétua de Kant. No entanto, podemos pegar como exemplo quatro livros de literatura distópica nos quais a ideia de bem comum é utilizada para dominar:
Enquanto a utopia é algo tão surreal que dá vontade de vivê-la, a distopia é algo tão real (no sentido do realismo literário, que procura na visceralidade de uma humanidade doente algum significado) que ninguém a quer para si.
Quem nunca quis viver num sistema econômico perfeito, em que há pleno emprego, não há pobreza e desigualdade social, no qual todos têm o que comer e onde morar? Um lugar onde os serviços públicos funcionam bem, onde as pessoas têm o à saúde e educação de qualidade, onde todos têm o à cultura e ao lazer? Seria isso uma utopia econômica? Sim e não.
Com base na realidade de nosso país, que está longe de ser uma utopia, tendemos a pensar que o que foi apresentado acima seria uma utopia econômica (na verdade uma utopia do Índice de Desenvolvimento Humano proporcionado pelo bom funcionamento de um sistema econômico). No entanto, já existem, no mundo contemporâneo, economias que conseguem proporcionar tais benefícios.
Qual país oferece isso à população? Usando um raciocínio simples, poderíamos pensar em Estados Unidos (maior economia do mundo), forte economicamente e com capacidade para prover bem-estar para a população. No entanto, os países que mais se aproximam do que seria uma utopia são os países nórdicos da Europa (Dinamarca, Noruega, Finlândia, Islândia e Suécia), e parte da União Europeia, como Alemanha e Suíça (esta última tem o maior IDH do mundo de acordo com rankings mais recentes).
Partindo do pressuposto de que as religiões se baseiam em narrativas míticas para apresentar uma espécie de verdade, revelada por profetas, ou por escritos, ou por pessoas iluminadas (sacerdotes) ou por pessoas que se conectam diretamente ao sobrenatural (xamãs), as religiões parecem sempre trabalhar com um horizonte utópico. No entanto, precisamos numerar algumas que apresentam ideias mais próximas de uma utopia:
Além do livro Utopia, de Thomas More, podemos numerar algumas outras obras literárias com caráter utópico:
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Aguardamos, ansiosamente, a criação dos tão esperados carros voadores. Isso seria uma utopia tecnológica, como aquela sociedade moldada no cartoon Os Jetsons, dos Estúdios Hannah-Barbera. Enquanto não temos nossos carros voadores, vemos cada vez mais aquilo que era considerado utopia tecnológica no ado sendo concretizado como realidade.
A comunicação está em um nível avançadíssimo de autonomia. Temos como exemplos:
Vivemos em um momento de ruptura entre o que era utopia tecnológica no ado e o que se torna, cada vez mais, possibilidade real.
Nota
|1| COELHO NETTO, José Teixeira. O que é Utopia? Col . Primeiros os. São Paulo: Círculo do Livro, 1980.
Fontes
COELHO NETTO, José Teixeira. O que é Utopia? Col . Primeiros os. São Paulo: Círculo do Livro, 1980.
MORE, Thomas. Utopia: edição bilíngue (latim-português). Trad. Paulo Neves. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2016.
Fonte: Brasil Escola - /filosofia/utopia.htm